POLÊMICA NAS FACHADAS
_ Varandas na berlinda
Câmara aprova projeto que permite o fechamento desses espaços com vidros, exceto na Zona Sul
FOTOS DE MARCELO PIU
Cada um por si. Fachada de um prédio na Rua General Glicério, em Laranjeiras: a falta de critério faz com que cada morador decida como vai fechar sua varanda, fazendo com que o projeto arquitetônico do edifício seja prejudicado
Depois de quase dez anos de tramitação, a Câmara
dos Vereadores aprovou anteontem um
polêmico projeto de lei que permite o fechamento
de varandas, através da instalação de um
sistema retrátil de vidros. Caberá agora ao prefeito
Eduardo Paes — que sempre mostrou ser
contrário à permissão — sancionar ou não o
texto. O projeto aprovado exclui apenas os bairros
da Zona Sul do benefício, o que, segundo o
vereador Carlo Caiado (DEM), idealizador da
iniciativa, atendeu a um pedido de presidentes
de associações de moradores da região.
A aprovação foi um dos raros momentos no
passado recente da Câmara em que um projeto
com impacto relevante para a cidade, elaborado
por um vereador da minoria de oposição, conseguiu
ser bem-sucedido no plenário. Caiado usou
a estratégia de colocar outros 20 vereadores como
coautores, o que, na prática, pode trazer efeitos
positivos para as bases eleitorais de cada um deles
nos bairros. Até o líder do governo, Luiz Guaraná
(PMDB), acabou assinando o texto. Ele conseguiu
a inclusão de uma emenda que estabelece
o pagamento de até R$ 300 por metro quadrado,
para que o proprietário faça a regularização do fechamento.
Caberá à prefeitura, se o texto for sancionado,
fixar o valor específico para cada bairro.
PAES AINDA NÃO SABE SE VAI SANCIONAR PROJETO
O prefeito Eduardo Paes disse que ainda não
viu o projeto e, por isso, não decidiu se vai
sancioná-lo.
— A proposta ia ser aprovada de qualquer jeito.
O que fizemos foi incluir um mecanismo prevendo
a cobrança pela regularização.
Seria uma injustiça não cobrar,
porque anteriormente houve
uma lei de mais-valia que cobrou
uma taxa para quem desejava
se regularizar — disse o vereador
Guaraná, lembrando o
decreto publicado em 2009,
quando vários proprietários de
imóveis da Zona Sul regularizaram
o fechamento de suas varandas,
através da mais-valia.
O projeto das varandas foi o primeiro
que Carlo Caiado apresentou,
quando chegou à Casa em
seu primeiro mandato, em 2005.
Ex-subprefeito da Barra e administrador
regional do Recreio durante
a gestão de Cesar Maia, o
vereador disse que elaborou a
proposta por causa dos constantes
pedidos de moradores da região,
sua maior base eleitoral, que
alegavam problemas principalmente
com chuva, ventos e sol
forte, além de segurança.
A psicóloga Silvia Cohen há
um ano providenciou o fechamento
de sua varanda no Jardim
Oceânico, na Barra.
— Eu moro no primeiro andar, e o vidro reduziu
muito o barulho da rua. Também tenho netos
e transformei uma parte da varanda num
cantinho para os brinquedos das crianças. Foi
uma forma de evitar as grades e as telas protetoras
— diz ela.
O empresário Sidney Brunstein, que mora numa
cobertura na Barra, se diz favorável ao fechamento
das varandas, desde que seja feito
com critério:
— Sou totalmente a favor, porque aumenta a
sala e se aproveita melhor o ar-condicionado,
mas não pode cada um fazer do seu jeito. É preciso
haver um padrão estabelecido pelo prédio.
FALTA DE PADRONIZAÇÃO NAS FACHADAS
A falta de padrão no fechamento de varandas
pode ser vista em vários endereços da Zona Sul,
onde a medida continua sendo proibida. Na
Rua General Glicério, em Laranjeiras, o edifício
440 tem os mais diversos estilos de vidros nas janelas,
com esquadrias pretas, brancas e metálicas.
A dona de casa Maria Fernanda Vilela conta
que todos os apartamentos do prédio onde mora
há 30 anos fecharam suas varandas:
— Eu nem sabia que não podia. Se pago mais
por isso no IPTU, também não tenho conhecimento.
Só sei que a varanda sem janelas acumula
muita poeira e poluição dos ônibus.
Quando venta, junta folha, e fica tudo sujo.
A parte do projeto que causou mais discussões
desde a sua apresentação foi a questão da maisvalia.
Conforme decreto municipal de 2009, o fechamento
das varandas implica o aumento da
área edificável e, como consequência, o acréscimo
na base de cálculo do IPTU, uma das principais
fontes de arrecadação do município. O projeto
aprovado determina que o
fechamento da varanda não poderá
resultar em aumento real
da área da unidade residencial.
Não será admitida a incorporação
da varanda, total ou parcialmente,
aos compartimentos internos,
sob pena de multa.
O presidente do Instituto de
Arquitetos do Brasil (IAB-RJ),
Pedro da Luz Moreira, disse
que não considera o fechamento
das varandas algo grave
do ponto de vista urbanístico,
desde que existam parâmetros.
O arquiteto, no entanto,
alerta que é preciso que
as varandas preservem as características
de serem um
ponto de vista para o morador
e também de ventilação. A padronização
das fachadas também
é outro ponto que deve
ser levado em consideração.
— A varanda não pode ser fechada
e se tornar parte do apartamento
— disse Pedro da Luz. l
CELIA COSTA, FERNANDA PONTES E RUBEN BERTA
granderio@oglobo.com.br
ÁREA REAL: O fechamento da
varanda não poderá resultar em
aumento real da unidade
residencial. Também não será
admitida a incorporação da
varanda, total ou parcialmente,
aos compartimentos internos,
sob pena de multa.
CONVENÇÃO: Caberá ao
condomínio de cada prédio, na
forma prevista na convenção,
decidir sobre o fechamento das
varandas.
INSTALAÇÃO: O projeto do
sistema retrátil e a instalação
deverão ser feitos por empresas
ou profissionais registrados no
Crea-RJ
TAXA: Fica instituído o valor de
até R$ 300 por metro quadrado
de área de varanda para que a
regularização seja efetivada.
U
ITENS DA PROPOSTA
Isolamento. Prédio no Jardim Oceânico: para moradores, a varanda fechada protege contra chuva e poluição
Colaborou Luiz Ernesto
Magalhães
Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio (CAU-RJ), ele
critica o fechamento dos espaços. Diz que a medida interfere até na
paisagem, pois ambientes abertos deixam o cenário da cidade mais leve
SYDNEI MENEZES
‘A varanda é fundamental para a
composição estética e urbanística’
l O senhor é a favor do projeto?
Ele é bem-intencionado. Não vejo problema
no fato de o morador querer fechar o vidro da
sua varanda num dia de ventania ou numa
noite, quando está recebendo visitas em casa.
Mas, na prática, o que acontece é a incorporação

do espaço ao imóvel.
l De que que forma?
O morador fecha aquela varanda para sempre.
Coloca cortinas, nivela o piso com o da sala e
perde o conceito de varanda. Nesse caso, passa
a ser uma extensão do apartamento, sem que o proprietário pague nada por isso.
l Qual a importância das varandas para a
composição arquitetônica da cidade?
A varanda é fundamental para a composição
estética e urbanística do ambiente. A paisagem
fica mais leve, mais arejada e mais sustentável,
porque os apartamentos com varandas
são mais ventilados e se protegem da
incidência de raios solares.
l Em alguns prédios, as varandas são fechadas,
sem obedecer a qualquer estilo...
Esse é outro problema. Cada edifício tem a
sua convenção, mas nem sempre as regras
são cumpridas pelos condôminos, comprometendo
a estética das fachadas dos prédios.
l E quanto ao trabalho dos arquitetos?
A concepção do projeto fica comprometida.
As fachadas representam o grande elemento
arquitetônico do prédio, que acaba sendo
desrespeitado. l
JORNAL O GLOBO